A curiosidade necessária para o aprender

Um dos sonhos de todo pai, generalizando, é que o filho seja muito inteligente e tenha uma vida profissional bem sucedida. Muitos pais preocupados buscam uma escola “forte” desde cedo, já pensando no vestibular em uma universidade consagrada, projetando o/a filho/a se não um cientista, um CEO, pelo menos, advogado/a, médico/a, engenheiro/a, enfim.

No percurso, afligem-se quando o filho é pequeno conjeturando se está no tempo “certo”, pois há uma ansiedade em ver as “conquistas”, mais para frente, com as notas. No mundo escolar seguem os desafios, as letras, os números, depois a tabuada, as equações, a gramática, a sintaxe, a geografia, a geometria, a física, a química e tantas outras matérias. Só de nomear cansa. Se ele/a tira boas notas, sagra-se o orgulho da família.

Preocupações chegam se a criança ou o jovem não “consegue acompanhar” a escola.  Muitas escolas oferecem reforço. Certas falas logo aparecem: Ele não gosta de estudar! Ela só quer saber de estar com as amigas! Ele só quer jogar bola!  Ela não tem concentração! Ele não tem foco! Na visão corrente, via de regra, o problema está no estudante.

Não vou escrever aqui sobre o contexto escolar, pois há muitas diferenças, pergunto aos pais e/ou responsáveis como foi a infância dessa criatura? Ela pôde vagar olhando folhas e formigas no chão, pássaros voando, nuvens formando figuras no céu? Viu as cores do arco-íris pulando de um esguicho de água num dia de sol? Trepou em uma árvore e ficou lá em cima se deliciando com o seu feito? Ela correu até cansar fora dos muros da escola? Viu a vida acontecer e se surpreendeu com suas formas ao lado dos pais ou a sua maior surpresa foi o desenho no tablet?

Alice Miller, uma grande pesquisadora sobre a infância, escreve que uma das ações corriqueiras de nossa educação é, primeiro cortar as raízes da vida e depois tentarmos reconstituir artificialmente suas funções originais. Dessa forma, escreve a autora, “a curiosidade natural das crianças é abafada, e depois, quando faltar o estímulo ao aprendizado, se oferecem aulas particulares para sanar as dificuldades na escola”.

Resultado de imagem para unicefOs pais querem ter filhos inteligentes e vê-los aprendendo, mas o desenvolvimento cognitivo não ocorre como o fortalecimento dos ossos ao tomar vitamina, nem acontece de “um clique” como promete uma certa propaganda (porque as pessoas andam sem tempo). Trata-se de um trabalho de longo prazo que começa lá com o bebê, um investimento cotidiano em nossas crianças para ensinar um olhar (e também um agir) sobre a vida para além de conteúdos.

Raízes cortadas e curiosidade solapada podem estar na base de um sujeito com dificuldades para aprender.

O voo do meio da vida

A arte de viver é a mais sublime e a mais rara de todas as artes escreve Jung. O nascimento marca o início da vida, o bebê, paulatinamente, será obrigado a conquistar autonomia e crescer. No percurso, vai adquirir músculos, altura e consciência, a grande ferramenta da espécie. Na caminhada, o indivíduo, com mais ou menos dificuldades se esforça para tomar as rédeas de sua vida, quando consegue, estuda, trabalha, travando lutas para conquistar uma posição social, construir uma carreira e/ou uma família.

Em certo momento, depois de muito quebrar a cabeça, fazer horas extras, aguentar chefes e muitos sapos engolir, tudo leva a pensar que enfim se encontrou o “curso da vida”, pois esta parece encaminhada, eis que sem saber como, nem porque, nada agora parece ter sentido. Neste momento atordoante, as conquistas deixam de produzir alegria, aparecem saudades do que não se viveu, desejos loucos, devaneios. Fala-se em crise da meia idade, nome inapropriado, pois na verdade, é a vida que está no final do primeiro tempo. Nesta etapa, os filhos saem de casa, de repente, a casa fica vazia, por outro lado, os papéis com os pais se invertem, ou mesmo, ocorre a perda dos pais. Não raro, uma paixão fulminante leva um sujeito a largar a família para viver amores com uma jovem recém conhecida, ou uma mulher passa a buscar parceiros na academia ou a se comportar como as jovens da idade de sua filha. Trata-se de um período de limiar,  primeiro, ouve-se o badalo de um sino, há um desconforto com a vida quase imperceptível, depois advém uma urgência e, quando as badaladas não são ouvidas, instala-se a crise.

Jung compara as tensões e turbulência da adolescência às tensões no meio da vida. Agora a tensão está entre o modo de funcionamento conhecido -mesmo que recheado de problemas- e o desconhecido que assusta. Se, na adolescência, muitos evitavam a vida adulta, no meio da vida, procura-se evitar o amadurecimento necessário para viver o segundo tempo da jornada. Repete-se a resistência, assim como o indivíduo preso à infância recua apavorado diante da incógnita do mundo e da existência humana, também o adulto recua assustado diante do que precisa fazer. Talvez com receio das perdas por vir e, certamente, de deixar para trás alguma coisa muito preciosa: o passado, aqueles anos moços. Anos idealizados, sem dúvida, mas a memória retém o que quer, da forma que se lhe apraz, na memória tudo pode ser lindo, cheiroso e gostoso.

Muitos fazem ouvidos moucos e formulam pensamentos para se enganar: “o emprego não é tão ruim”, “estou ganhando bem, para quê sair?”, “tudo ficará bem com os netos”, “ só preciso de uma plástica para me sentir bem”.

O meio da vida apresenta questões e desafios de uma nova etapa que se aproxima, no entanto, chega-se mal preparado para a segunda metade da vida e, o pior, damos esse passo, sob a falsa suposição de que nossas verdades continuarão como dantes. Muitos ficam perseguindo metas antigas, sem perceber que a configuração mudou. Não podemos viver a tarde de nossas vida segundo o programa da manhã, escreve Jung, porque aquilo que era muito na manhã,  será pouco na tarde e o que era verdadeiro na manhã, será falso no entardecer.

O momento exige um olhar para o interior, um balanço e um apaziguamento com o passado. Na caminhada, há perdas, de amores e amizades, da inocência, da beleza, para citar algumas. Há sonhos não vividos, outros que se converteram em pesadelos, o príncipe que virou um sapo, como cantou Cássia Eller. Não raro, o próprio indivíduo se perdeu nas tramas da vida e retomar o fio da meada parece uma missão impossível, daí a angústia.

O momento exige uma busca da verdade da alma, recuperar enquanto há tempo, aspectos que ficaram para trás. Alguns têm medo de suas sombras, outros têm medo da própria luz, daquilo que era tão bacana, mas que se abriu mão. A sombra precisa ser vista e integrada para deixar de assombrar e os talentos precisam ser reconhecidos para darmos um novo sentido ao segundo tempo da jornada.

Quando a crise se instala, parece-nos que alguma coisa saiu do controle, pelo contrário, é a alma querendo assumir o controle, mostrando que nossa vida precisa de alguns “ajustes” para o melhor de nós se libertar e voar.