O rei Arthur e a távola redonda, diálogo e civilidade para o século XXI

Das lendas medievais, talvez as mais conhecidas sejam as histórias do rei Arthur com seus cavaleiros que lutam para proteger o reino da Britânia de invasões e de toda sorte de quimeras e dragões.

Merlin, o mago, acompanha Arthur desde seu nascimento, auxiliando-o a recuperar a Excalibur, a poderosa espada; para encerrar o tempo de violentas guerras e assim iniciar um novo ciclo pautado pela paz, o velho sábio idealiza uma mesa sem cabeceira para que nenhum cavalheiro disputasse o comando. Por sua vez, o Rei Arthur ordenou os mais bravos combatentes como cavaleiros, sentando-os frente a frente na távola, promovendo uma mudança de grau na vida política de seu reino, a saber, a passagem das armas à política: nada fácil para guerreiros. A civilidade dá trabalho.

A mesa redonda instituiu e simboliza uma igualdade entre os membros; sentar-se à mesa significa ingressar em espaço onde é possível ver e ser visto, ouvir e ser ouvido, apontando o reconhecimento daquele que lá está. Aqui encontramos duas dimensões, a instância do reconhecimento e do diálogo.

Esta fábula remete às condições de civilidade para a construção de um mundo comum, uma noção cara à filósofa Hannah Arendt. De origem judaica, autora viveu grande parte de sua vida como refugiada apátrida fugindo do nazismo, talvez por isso seu pensamento dedique importância ao tema.

“Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum, como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao seu redor; pois, como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens” observa Hannah Arendt, a mesa torna-se um artefato que congrega e ao mesmo tempo evita a colisão. Trata-se de um artifício resultado de um esforço comum das partes.

Para a autora, “todas as ações políticas na medida em que permanecem fora da esfera da violência, são realmente realizadas por meio de palavras”, a política configura-se como um espaço do diálogo com os outros com os quais devo chegar a um acordo, isto requer doses gigantescas de civilidade para a contenção do nosso mal-estar quando não concordam conosco. É bem fácil –e primitivo- pegar alguém pelo pescoço quando a raiva toma conta, em contrapartida, o uso das palavras requer um árduo treinamento, é para poucos mostrar o desacordo e até mesmo ofender sem empregar xingamentos.

A partilha de um espaço nos possibilita viver no mesmo mundo, mesmo que o enxerguemos sob diferentes prismas. Quem não se senta à mesa não obtém reconhecimento; sua palavra não é ouvida, suas demandas não entram na agenda e, de certa forma, não têm existência. Ao longo da história, pouquíssimos fizeram parte da távola redonda, os pobres, as mulheres, as populações indígenas, quilombolas, entre inúmeros outros grupos ficaram e, alguns ainda ficam, de fora, com trágicas conseqüências.

As palavras de Hannah Arendt alertam para a necessidade de um mundo comum e nos instigam a refletir sobre as características de nossa távola, esse artifício necessário da política.

ARENDT, H. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

_____ Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001

tavola redonda
Evrard d’Espinques, século XV