Em tempos imemoriais, após a vitória de Zeus contra os Titãs, as forças primordiais e brutais da natureza, o universo fora dividido em três grandes impérios conta a mítica dos antigos gregos: a Zeus coube o Olimpo, a Posídon, o mar, e a Hades, o temido, o imenso império localizado nas entranhas da terra, o reino dos mortos.
A narrativa descreve que o deus sai do seu reino em duas ocasiões apenas, a primeira para se curar de um ferimento no ombro direito provocado por uma flecha envenenada de Héracles. Não suportando a dor subiu ao Olimpo à procura de Apolo, o deus da mântica e da cura para sanar seu padecimento. Nesta viagem, ele vislumbra a jovem Coré, por quem se apaixona e esta será a razão da segunda de suas saídas dos ínferos, para raptar o seu amor.
Um deus que não suporta a dor e não qualquer deus, mas o regente do mundo dos mortos permite divisar em que medida o sofrimento pode ser lancinante. Ninguém gosta da dor; as surpresas agradáveis da vida são bem-vindas, mas as desagradáveis, não. Passar pela dor soa penoso e desprovido de razão, mas não raro, de repente, o destino nos coloca cara a cara com ela. Como é duro reconhecer que as Moiras, as senhoras do destino, têm seus desígnios reservando a cada um o seu quinhão, que nem Zeus, o senhor do Olimpo pode alterar.
Nossa mente racional pode não ter explicação para o sofrer, mas quiçá num outro terreno, a dor pode ter algum significado que não aparece nos exames de laboratório, mas não é fácil, porque a medicina ocidental evita lidar com o sujeito e seu sofrimento, buscando rapidamente eliminar o sintoma. Paradoxalmente, talvez tenha sido um sofrimento a causa da doença e seu sintoma, a expressão agora corpórea de uma dor outrora negligenciada.
Hades se modifica com a dor. No seu percurso, produz-se um encontro transformador com Coré que fará parte de sua cura. Com Perséfone, nome de agora sua consorte, fará um par exemplar de transformação na união.
BIBLIOGRAFIA
SOUZA, Ana Célia Rodrigues de. Morte & Luto – A Psiquiatria sem Drogas e as Enfermidades Míticas no Cinema. Curitiba: Appris Editora, 2018