A Whipala arde no fogo, mas ressurge por entre as cinzas

Uma jovem  boliviana nestes dias me perguntou:

– Por que queimaram nossa bandeira Wiphala?

whipala A Whipala é uma bandeira de sete cores dos povos andinos, hoje, representa majoritariamente o povo Aimara. Sem dúvida, quem faz isso busca a destruição, tal como no Brasil, quem colocou fogo no cerrado e na Amazônia buscava destruir a floresta.

Nas chamas do fogo, tudo rapidamente pode virar cinzas, uma casa, um Palácio, uma vida. O fogo tem grande poder destrutivo da matéria, é rápido, voraz, visível, contudo não tem poder sobre as ideias, não elimina a verdade. No início do século XVI, Galileu Galilei que viu Giordano Bruno arder na fogueira condenado pela inquisição, também sob inquérito por defender que a terra era redonda e girava em torno ao sol, voltou atrás para não  ter o mesmo destino de Bruno, mas suas ideias foram reconhecidas e ele fez história nos anais da ciência.

Nas Américas, de norte a sul, muitos grupos nativos, há 5 séculos já experimentaram inúmeras formas de destruição, seja pelas armas, pelas doenças ou pela imposição de uma religião. No século XVI, a igreja católica decidiu que os índios tinham alma, então deveriam ser catequisados e trabalhar para pagar sua catequese. De lá para cá, os estados nacionais também realizaram estragos com suas politicas assimilacionistas. No século XX, outros grupos se encarregaram de levar o evangelho para dizimar pensamentos e formas de vida das comunidades dos andes ou das floresta.

Quem busca matar ideias pelo fogo não só tem raiva do pensamento como não entende nada do simbolismo do fogo. O fogo, faz um caminho para o alto, eleva. Assusta pela velocidade, tem vontade própria, as chamas podem escapar do nosso controle,  tal como as paixões que podem tomar o sujeito, incendiá-lo, deixá-lo fora de si. O amor é um fogo que arde sem  se ver, já cantaram os salmos e os poetas; a ira, a culpa também incendeiam, pois são paixões no sentido etimológico da palavra, ou seja, trazem padecimento e adoecem o sujeito.

Há pessoas e grupos que buscam a destruição do outro ou daquilo que tem medo ou raiva, na sua soberba ou ignorância, querem tirar a existência do que não entendem ou cuja existência ameaça, porque o diferente ousa expor irreverentemente que há outros jeitos, outras cores, outros amores, outras paragens, outros pensamentos.

O século XX colocou isso em pauta, todos os grupos têm só direitos não a ter direitos, mas a existir e a decidir, bem como as pessoas, homens e mulheres podem não querer um casamento, um beijo ou uma cantada, já não  se legitimam projetos assimilacionistas ou genocídios em nome de qualquer supremacia. Muito embora, hoje, neste retorno obscurantista que nos acompanha no Brasil e por todo o globo se perceba como está difícil de manter estas conquistas.

Nas trilhas do amor, uma conversa entre a psicologia e a poesia de Vinicius de Moraes

vinicius-de-moraes50600Há muito para ser dito a respeito do amor, mas aproveito o momento em que o dia dos namorados se aproxima para recordar a poesia do saudoso Vinicius de Moraes, quem afirmou categórico:
Para viver um grande amor, preciso

É muita concentração e muito siso
Muita seriedade e pouco riso

Uma recomendação bastante diferente do que hoje se ouve por aí. Em tempo de amores fluidos, crunches ou contatinhos, impaciência e zoeira se misturam na seara dos afetos.

Repetidamente, homens e mulheres se encantam rapidamente e desencantam com igual velocidade dos candidatos que aparecem; a fila anda, sem que o sujeito saia do lugar, até que ele desiste de procurar para não mais se frustrar.

Certamente, há desencontros pela vida, mas para viver um grande amor Não basta apenas ser um bom sujeito, é preciso compreender a matéria dos afetos, não apenas o jogo do aplicativo, e disto o poeta entendia bem.

Para começar, o amor é uma rua de mão dupla, trata-se de uma dança que pressupõe amar e ser amado, dar e receber. De tudo, ao meu amor serei atento, escreveu Vinicius no Soneto da Fidelidade; nenhum encontro vai levar ao amor se o sujeito deseja apenas ser amado.

Por outro lado, há pessoas que amam e não mostram, por diversos motivos, alguns inclusive, porque não aprenderam a fazê-lo; na nossa cultura, isto ocorre, principalmente (mas não só, claro), entre os homens que não são ensinados a lidar com o mar dos afetos, pois isso “é coisa de menina…”, como se os homens não tivessem sentimentos. Na outra ponta, outros tantos acham que um só amando já é suficiente, novamente, se esquecendo que o amor é uma dança a dois. Não há amor demais (nome inclusive de grupos que lidam com as obsessões amorosas), há sim falta de entendimento e prática da matéria do amor. Amar passa longe do possuir.

O amor exige um amante dedicado, na longa lista de encargos do autor pode-se ler “fazer ovos mexidos, camarões, sopinhas” e outras ações para nutrir o amor, mas ele também registrou:

É preciso um cuidado permanente
Não só com o corpo, mas também com a mente

Esse zelo significa atenção aos próprios pensamentos, às ilusões e idealizações que atrapalham o juízo. Este cuidado com a psique -que é um universo maior que a mente, mas o poeta diplomata não sabia-, permite se ganhar uma certa consciência das próprias ambiguidades, das pegadas e escolhas no caminho. Fazemos muitas coisas sem saber porquê e depois sofremos, este olhar para o mundo interno possibilita uma consciência necessária para inteireza no amor

Voltando ao mestre, é preciso também ter muito peito, pois requer grande coragem sentir o fogo e não sair em disparada para o outro lado do planeta ou simplesmente bloquear a pessoa no celular; o fogo do amor, cabe dizer, não o ardor do desejo, este muito fácil de se resolver, sem pesar nem penitência. Atire a primeira pedra quem jamais falou algo assim, depois de conhecer alguém:

– Ahhh, ele usa meia branca e sapato preto, impossível!

– Ela não gosta de futebol! Uma chata, tô fora!

– Ele/a não gosta de teatro e quis assistir a um filme bobo! Nada a ver!

Mas que há por trás de encontrar tanto defeito, senão o medo de amar? Contudo, nenhum encontro vai levar ao amor se não se está preparado para sentir o frio no estômago –o corpo avisa- que dá vontade fugir.

Vislumbram o amor aqueles que não receiam se perder na imensidão, nem cair numa armadilha, pois já sabem que amar não leva a retornar a nenhum paraíso perdido, mas uma vivência de sublime parceria. Fugaz ou duradoura, nunca é fácil, mas vale a pena.

vinicius_de_moraes_a_maior_solidao_e_a_do_ser_que_nao_a_lx4n9nv

O rei Arthur e a távola redonda, diálogo e civilidade para o século XXI

Das lendas medievais, talvez as mais conhecidas sejam as histórias do rei Arthur com seus cavaleiros que lutam para proteger o reino da Britânia de invasões e de toda sorte de quimeras e dragões.

Merlin, o mago, acompanha Arthur desde seu nascimento, auxiliando-o a recuperar a Excalibur, a poderosa espada; para encerrar o tempo de violentas guerras e assim iniciar um novo ciclo pautado pela paz, o velho sábio idealiza uma mesa sem cabeceira para que nenhum cavalheiro disputasse o comando. Por sua vez, o Rei Arthur ordenou os mais bravos combatentes como cavaleiros, sentando-os frente a frente na távola, promovendo uma mudança de grau na vida política de seu reino, a saber, a passagem das armas à política: nada fácil para guerreiros. A civilidade dá trabalho.

A mesa redonda instituiu e simboliza uma igualdade entre os membros; sentar-se à mesa significa ingressar em espaço onde é possível ver e ser visto, ouvir e ser ouvido, apontando o reconhecimento daquele que lá está. Aqui encontramos duas dimensões, a instância do reconhecimento e do diálogo.

Esta fábula remete às condições de civilidade para a construção de um mundo comum, uma noção cara à filósofa Hannah Arendt. De origem judaica, autora viveu grande parte de sua vida como refugiada apátrida fugindo do nazismo, talvez por isso seu pensamento dedique importância ao tema.

“Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum, como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao seu redor; pois, como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens” observa Hannah Arendt, a mesa torna-se um artefato que congrega e ao mesmo tempo evita a colisão. Trata-se de um artifício resultado de um esforço comum das partes.

Para a autora, “todas as ações políticas na medida em que permanecem fora da esfera da violência, são realmente realizadas por meio de palavras”, a política configura-se como um espaço do diálogo com os outros com os quais devo chegar a um acordo, isto requer doses gigantescas de civilidade para a contenção do nosso mal-estar quando não concordam conosco. É bem fácil –e primitivo- pegar alguém pelo pescoço quando a raiva toma conta, em contrapartida, o uso das palavras requer um árduo treinamento, é para poucos mostrar o desacordo e até mesmo ofender sem empregar xingamentos.

A partilha de um espaço nos possibilita viver no mesmo mundo, mesmo que o enxerguemos sob diferentes prismas. Quem não se senta à mesa não obtém reconhecimento; sua palavra não é ouvida, suas demandas não entram na agenda e, de certa forma, não têm existência. Ao longo da história, pouquíssimos fizeram parte da távola redonda, os pobres, as mulheres, as populações indígenas, quilombolas, entre inúmeros outros grupos ficaram e, alguns ainda ficam, de fora, com trágicas conseqüências.

As palavras de Hannah Arendt alertam para a necessidade de um mundo comum e nos instigam a refletir sobre as características de nossa távola, esse artifício necessário da política.

ARENDT, H. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

_____ Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001

tavola redonda
Evrard d’Espinques, século XV

Visitando Hades, a transformação pela dor e pelo amor

Em tempos imemoriais, após a vitória de Zeus contra os Titãs, as forças primordiais e brutais da natureza, o universo fora dividido em três grandes impérios conta a mítica dos antigos gregos: a Zeus coube o Olimpo, a Posídon, o mar, e a Hades, o temido, o imenso império localizado nas entranhas da terra, o reino dos mortos.

A narrativa descreve que o deus sai do seu reino em duas ocasiões apenas, a primeira para se curar de um ferimento no ombro direito provocado por uma flecha envenenada de Héracles. Não suportando a dor subiu ao Olimpo à procura de Apolo, o deus da mântica e da cura para sanar seu padecimento. Nesta viagem, ele vislumbra a jovem Coré, por quem se apaixona e esta será a razão da segunda de suas saídas dos ínferos, para raptar o seu amor.

Um deus que não suporta a dor e não qualquer deus, mas o regente do mundo dos mortos permite divisar em que medida o sofrimento pode ser lancinante. Ninguém gosta da dor; as surpresas agradáveis da vida são bem-vindas, mas as desagradáveis, não.  Passar pela dor soa penoso e desprovido de razão, mas não raro, de repente, o destino nos coloca cara a cara com ela. Como é duro reconhecer que as Moiras, as senhoras do destino, têm seus desígnios reservando a cada um o seu quinhão, que nem Zeus, o senhor do Olimpo pode alterar.

Nossa mente racional pode não ter explicação para o sofrer, mas quiçá num outro terreno, a dor pode ter algum significado que não aparece nos exames de laboratório, mas não é fácil, porque a medicina ocidental evita lidar com o sujeito e seu sofrimento, buscando rapidamente eliminar o sintoma. Paradoxalmente, talvez tenha sido um sofrimento a causa da doença e seu sintoma, a expressão agora corpórea de uma dor outrora negligenciada.

Hades se modifica com a dor. No seu percurso, produz-se um encontro transformador com Coré que fará parte de sua cura. Com Perséfone, nome de agora sua consorte, fará um par exemplar de transformação na união.

Hades'in_Persephone'yi_kaçırma_sahnesi
Hades raptando Perséfone, Museu Arqueológico Nacional de Atenas

BIBLIOGRAFIA

SOUZA, Ana Célia Rodrigues de. Morte & Luto – A Psiquiatria sem Drogas e as Enfermidades Míticas no Cinema.  Curitiba: Appris Editora, 2018

A verdade em Nietzsche e no brincar de uma criança

Acompanhar uma criança em seus primeiros anos pode ser uma experiência surpreendente para o adulto. Um ser frágil, despreparado e despreocupado, inconsciente e irreverente, para o qual nada impede o pum na sala, a risada no meio da missa, a meia na mão, o livro de chapéu…  Tudo para ela é novo, vale pela experiência; sair correndo pelada pela casa, espalhar todo o feijão, fazer nuvem de sabão, misturar todas as cores da massinha, derrubar água no chão, enfim mil coisas. Certamente algumas experiências podem ser perigosas, mas hoje me detenho em um debate filosófico: a questão da verdade.

Niños_jugando_en_la_playa
Nietzsche: Maturidade no homem: significa reaver a seriedade que se tinha quando criança ao brincar (BM, cap. IV, $94)

Observar os pequenos possibilita vislumbrar o mundo ainda sem as classificações, sem esquemas e sem fronteiras; sem o lado certo, nem o lugar correto, sem o ordenamento já estabelecido. Este pensamento me conduziu a Nietzsche, um dos mais geniais filósofos do século XIX, mais precisamente a seu texto Verdade e Mentira em sentido extra-moral, no qual ele se ocupa do “impulso a verdade” entre os humanos. Como filólogo de formação, detinha-se na investigação da genealogia das ideias e conceitos, no caso, sobre a verdade, “acreditamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores, neve e flores e, no entanto, não possuímos nada  mais do que  metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades de origem”, escreve o autor.

Mais do que a verdade, o homem não quer as consequências negativas do engano, aponta Nietzsche, por isso odiamos a mentira e criamos conceitos que igualam não iguais, a verdade  ocorre quando estipulamos “uma designação uniformemente válida e obrigatória das coisas”. Se uma criança diz sou um milionário, fica no registro do faz-de-conta, contudo se um adulto faz esta afirmação, espera-se  que o sujeito esteja fazendo o uso correto da linguagem e dizendo a verdade.

Na criança, vemos uma combinação de elementos, esquemas e hierarquias de acordo com a sua vontade, despreocupada da lógica e das convenções milenares, estrelas com pijamas, dentes com cabelos, cenouras com sorrisos, enfim, de preferência, sem um adulto chato a lhe corrigir:

– A fita não é colar do sapo, é para o seu cabelo!

– Lama não é comida!

– Cisne não voa!

– Esse é o teto de sua casa, não o chão do navio!

A criança desconhece a normatização do mundo, totalmente arbitrária segundo Nietzsche, como o já famoso “meninas vestem rosa e meninos vestem azul”, mas há inúmeras outras, como a direção da escrita e a mão nas ruas. Um arbitrário vinculado ao poder, pois trata-se de um poder ditar os padrões e as regras na vida social, estabelecer o uso correto da linguagem, seja na gramática, nas cores ou nas vestimentas, entre outros, como o gênero e o casamento.

Classificações e normatizações são úteis para organizar o caos, Nietzsche diria, para a própria sobrevivência, porque o homem, “ao mesmo tempo por necessidade e por tédio, quer existir socialmente e em rebanho, ele precisa de um acordo de paz”, acordo que fixa a verdade. A vida cotidiana precisa de acordos para o seu funcionamento, para que possamos caminhar pelas ruas sem sermos atropelados, ligar um aparelho na tomada e ele não queimar, só que esquecemos que são pactos para se viver em grupo, não dizem respeito a uma verdade intrínseca às próprias coisas.

O convívio com as crianças com sua salutar desordem, nos permite voltar ao tempo em que este acordo ainda não fora estabelecido, em que o mundo se apresenta como um universo de possibilidades e todas muito interessantes.

O adulto já esquecido de sua meninice, cego pelas verdades construídas, não percebe que sua fala tão firme e indefectível  ao dizer coisas como “é vermelho” , “é folha”, “é montanha”, “é pássaro”, “é música”, “é capim” manifesta “um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas, e obrigatórias”.

O adulto que conserva um pouco de sua intuição ou uma certa desconfiança de tanta regra, esquema e certeza no mundo pode resgatar esta valiosa filosofia ao espiar uma criança.

Nietzsche. Verdade e Mentira em sentido extra-moral, Obras incompletas. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Col. Os Pensadores).

_____ Além do bem e do mal. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

ouvir-a-verdade-nietzsche

A civilidade do amor

Nestes dias anda difícil falar sobre o amor. Pelo contrário, falar sobre desrespeito, violência e guerra anda bem fácil; de manhã até a noite, os eventos se superam em sua dimensão dia a dia, irrompendo nas ondas do rádio, caindo nas redes e reiteradamente reproduzidos nas telas, mundo afora, mas também em nossas ruas.

Em um país cindido, se não esgarçado, para empregar um termo de Eliane Brum, como escrever sobre outros afetos que não o ódio ou a ira? Como escrever sobre aquilo que nos reúne?

Os tempos sombrios têm encurtado o nosso horizonte e nos deixado mudos.

Escrever sobre a união, o amor e o respeito parece, no mínimo, inadequado em meio a tanta intolerância.

Por onde quer que se olhe, observa-se a profusão de antipatias, mesquinharias e animosidades, expondo que o politicamente correto mal mascarou o desprazer do convívio social. Então, por que falar no amor?

Porque, recuperando Freud, é preciso lembrar que o amor a si encontra limite apenas no amor ao outro, permitindo o surgimento de relacionamentos não pautados pela agressividade e na consequente vontade de destruição. Um tipo de vínculo que tornou possível o surgimento e o desenvolvimento da cultura.

Não é à toa que a palavra amor aparece para nomear relações bastante diferentes, como aquelas entre pais e filhos, amizade ou a uma causa. Em seu cerne, o que denominamos amor congrega a busca de aproximação, bem como a ideia de abnegação, daí toda a possibilidade de relações que ele reúne.

Por isso, Eros torna-se necessário, pois é o que congrega e também mantém unido tudo o que há no mundo, permite a união e a formação de grupos ao longo da história, por outros termos que não o domínio ou a força.

stingTal como no indivíduo também no desenvolvimento da humanidade inteira é o amor que atua como fator cultural, no sentido de uma mudança do egoísmo em altruísmo. O amor com tudo o que implica a sua realização para o sujeito que ama e, talvez, o principal: o respeito pelo outro. É difícil dizer como Sting “if you love somebody set them free” (se você ama alguém, deixe-o livre), quem precisou fazê-lo sabe o quanto é custoso.

Nesse sentido amar é uma conquista civilizatória, porque impor à força o desejo nos faz retroceder aos primórdios do humano, parece distante, mas ao ver os brucutus correndo soltos, percebe-se que o avanço civilizatório não passa de um verniz.

Bibliografia

FREUD. Psicologia das Massas e análise do eu [1921] In Obras completas. São Paulo, Companhia das Letras, 2016. Vol. 15, pg.s 13-113.

 

A lição do “não”

Não bata no amigo!

Não machuque sua irmã!

Não brinca com isso! Não ponha a mão aí!

Não coma assim!Imagem relacionada

Quem tem filho pequeno sabe como, às vezes, basta um segundo para a criança se meter em perigo, ao escalar o armário, ao engolir um desinfetante ou derrubar uma panela quente. Há um momento em que o pai ou mãe precisam ter olhos nas costas, mas é preciso refletir quando o não é necessário. Criança que é saudável, sente curiosidade, é ligeira e também estabanada, arteira diziam nossos avôs, difícil, ouço, hoje,  consultório. Lidar com tanta energia torna-se desafiador, mais se estamos querendo fazer outra coisa ou se queremos que ela faça outra coisa.

Fora o rótulo que vai acompanhar a criança, há também o problema de se matar a curiosidade, se a podamos muito, ela vai matar um elemento importante para o aprender: o desejo de saber. Depois o adulto vai se perguntar: por que meu filho vai mal na escola?

Ninguém gosta de receber o não, nenhum adulto gosta, o filho idem, seja a criança ou adolescente. Qualquer adulto pode-se lembrar de como ficou zangado, por alguma contrariedade com seus pais na adolescência, se a memória permitisse também, lembraria da infância, mas a mente apaga esses primeiros anos.

Com tantos “nãos”, as crianças, não raro, se enfurecem. Nestes dias vi uma menina ser chamada para o banho no melhor de sua brincadeira. Sua resposta foi “não quero!”, depois ela correu e foi levada nos braços para o banheiro. Então adveio a fúria.

Pequenos em momento de fúria podem espernear e chutar, estapear, então, alguns pais se dão por vencidos e desistem, outros castigam, não raro, revidam e batem na criança. O pai quer que a criança se controle, mas nem mesmo ele se controla todo o tempo, mas essa é outra história…

E tem hora que não é não mesmo. “É hora de dormir não dá para ver filme!”. Alguns rounds simbólicos são bastante salutares, porque a criança precisa aprender a lição da frustração e a respeitar a autoridade. A lição de que não se pode tudo o que se quer e a consequente frustração evita o surgimento de pequeno ditadores, ao levar a criança a perceber que o mundo não gira em torno de nós, permitindo o crescimento, possibilitando civilidade o respeito e a vida entre pares na vida adulta.

Alternativas ao não

  1. È melhor prevenir que remediar. Deixe o espaço liberado para que a curiosidade e a energia infantil possam se manifestar sem que a circulação seja perigosa.
  2. Sim, depois. A criança quer brincar e você colocou a comida na mesa, cabe dizer “bacana, mas primeiro a janta.”
  3. Crie um programa. Faça uma sequência de eventos, primeiro janta, depois brincar, daí tomar banho. A criança se programa.
  4. Mostre que a faca corta e o fogo queima e isso machuca.
  5. Quando as coisas estão mais calmas, pergunte, você gosta de levar tapa? Não, né, então o papai/a mamãe, o irmão, o amigo também não gosta. Uma lição fundamental: não fazer ao outro o que não gostamos que façam conosco.

 

 

À procura de um herói

Num destes domingos, em uma reunião de amigos em um sitio, muitas crianças de diversas idades se divertiam ao sol. Em dado momento Anita, menina doce de 7 anos, de cabelos encaracolados, entrou na sala chorando com a mão no braço, se dirigindo à primeira pessoa adulta que encontrou, no caso, era a tia Paula, contou que estava brincando na casinha de madeira com sua amiga, Clara, as duas queriam ficar sozinhas, sem os meninos, só que os meninos insistiram e entraram, ela tentou barrar a entrada e o Artur, um menino da mesma idade, a empurrou com um tapa no braço.

– Ele me bateu! Dizia soluçando.

Ela não tinha nenhum arranhão no braço, mas a tia Paula, após prestar atenção lhe disse:

– Ninguém pode te bater! Se alguém ameaçar, você olha bem no seu olho e diz: você não me bate! Fale firme.

A menina procurou argumentar, “mas ele me bateu… eles queriam entrar na casa, a gente não quer…” E voltou ao choro.

– Anita, não adianta chorar! Você tem que aprender a se defender, ninguém pode te bater!

– Mas…

A criança esperava que o adulto resolvesse seus problemas. Esse é um  legítimo desejo infantil, ao pai cabe cuidar da proteção e ele tem autoridade para determinar o que pode ou não ser feito principalmente pelos pequenos.  O crescimento, contudo, coloca  o desafio do amadurecimento, isto implica que, paulatinamente, cada um conquiste autonomia, aprenda a conviver entre pares e, quando necessário, saiba se defender.

Muitas pessoas crescem sem se dar conta desta exigência do crescimento, sem entender que cada um precisa resolver os seus problemas, persistindo o desejo de que tudo se resolva num passe de mágica, sem que o sujeito tenha que agir. Continua existindo o desejo de que alguém venha resolver os problemas, um herói, um salvador. Ele colocará ordem no pedaço! A velha figura do pai -agora com outra roupagem- que me ajude contra os monstros que insistem em me assolar…

Cada época tem seus monstros e vilões: o desemprego, a corrupção, o pobre, a carestia o era em outros tempos. E em cada época aparecem aqueles que desejando poder se arvoram a salvadores da pátria.

A idade chega, mas muitos adultos continuam com esse desejo infantil, não raro escondido bem por dentro da fantasia de super herói.

*

Anita deixou a Paula falando sozinha e logo a seguir soluçava contando sua história para a tia Márcia, com certeza, ela seria mais sensível ao seu choro.

Crescer dá trabalho…

O estranho desejo da paz das trincheiras

Nas últimas semanas um lado conservador da sociedade tem ganhado destaque, um discurso defensor de uma família patriarcal, excluindo a legitimidade de novas possibilidades de sexualidade, o direito da mulher ao seu corpo e a ganhar salários iguais aos homens, o direito das populações nativas às suas terras, entre outras pérolas. Um discurso que já estava presente no congresso, mas que não chegava às ruas declaradamente, nas últimas semanas aparece ostensivamente ocupando palanques, whatsapps e portas do banheiro.

Há muitas leituras possíveis, escolho uma delas.

Neste mundo em movimento, para muitos a segurança dos usos e costumes ancorados em uma tradição ou na palavra sagrada passa a conflitar com a evidência de que há outros saberes, outros modos de vida e outras respostas para os desafios da vida. O terreno secularmente estável começa a ruir.

Essas transformações são sentidas como uma ameaça pelos setores que sempre estiveram no poder, principalmente o velho patriarcado que responsabiliza o “outro” pelos problemas, no caso, as mulheres, os gays, os migrantes e todas as minorias que conquistaram algum reconhecimento. Assim as próprias inconsistências não são enfrentadas, mas escurecidas, qualquer reflexão divergente será desqualificada ou vista como heresia ou blasfêmia e pouco espaço há para tecer confluências e soluções criativas.

Toda intolerância, seja religiosa, política, étnica, entre outras, reflete um profundo medo; na chave do medo, somente se estaria a salvo quando o mundo ficar reduzido ao “meu” grupo ou clã, quando todos os “outros” forem subjugados ou exterminados, uma vez que sua existência compromete a forma e a verdade que se construiu.

O desafio para o século XXI é conviver com o outro, aceitando e respeitando a diferença, de modo que ela, ou melhor, outras singularidades, não gerem vontade de poder ou domínio, nem desperte um medo a ponto de levar a pensar ou mesmo propagar o seu aniquilamento. A vida não corre nas trincheiras, mas no contínuo desafio que provoca em cada pessoa e/ou grupo para mostrar seu espírito criativo  e aquilo que traz de melhor.

tumblr_static_filename_2048_v2A chave para a convivência não é a paz do cemitério. E a saída do tsunami não é clamar pela autoridade do pai (ou do capitão) para resolver os problemas é enfrentar respeitosamente o dissenso, em diálogo criativo com o “outro”, porque o outro -em outra perspectiva- também sou “eu”.

A eclipse da razão ou o atuar das vísceras

Março de 2003

Certa noite, em uma sala de aula de um renomado curso universitário de São Paulo, um aluno se lamenta:

– O mundo está ficando muito chato, não se pode mais fazer piada de negro, não se pode falar mais no trânsito “dona Maria volta pra cozinha!”, não se pode falar mais gordo, anão, bicha. Nada pode! A vida tá ficando um inferno com esse tal do politicamente correto! Não dá pra rir de nada!

Ele, certamente, exprimia um mal-estar frente a um mundo cujas novas pautas ele não reconhecia e o seu lugar na hierarquia não estava mais garantido como estivera o do seus pais, avôs e toda sua linhagem. O lugar de poder que estabelece quem faz parte do nosso grupo e qual é o lugar do outro; determina de quem vai se rir, a quem vai se enxovalhar ou até mesmo se excluir. O milenar padrão cultural patriarcal fora questionado.

Outubro de 2018

Uma jovem é marcada a canivete com uma suástica em sua barriga por sair vestindo uma camiseta com dizeres que três homens que passavam pela rua não gostaram. O delegado que investiga o caso afirma que se trata do antigo símbolo budista do paz e amor. Trágico perceber que as feras estão à solta. È legítimo o não gostar de qualquer coisa, não a agressão.

A hiperbólica hostilidade de nossa conjuntura atual expõe que o mal-estar de outrora talvez tenha se tornado patologia. Ninguém se constrange da própria violência e o desavergonhadamente politicamente incorreto dá audiência e votos.

A irracionalidade reinante expõe uma resposta emocional. Pela teoria dos complexos de Jung sabemos que o tom emocional de um complexo costuma indicar onde radica sua patologia e qual é a ferida forjada na história pessoal e, certamente, hoje, coletiva. No tecido social, há uma ferida lancinante  demandando a cada um olhar e reconhecimento.

A quem se dirige a hostilidade? Às mulheres, às diferentes formas da sexualidade, aos negros, aos pobres; em suma, a todos os setores que revolucionaram padrões sociais e culturais no século XX. Dirige-se a uma multiplicidade de formas de existência que conquistaram visibilidade.

Muito embora as pessoas não se dêem conta, a violência não é superioridade, ela expõe o medo. O medo faz atuar com as vísceras, não com a razão. Medo do quê?

Medo do outro, do diferente; o sujeito imagina, defensiva e ilusoriamente, que para se sentir em segurança o outro deve ser reduzido ao mesmo, devendo ser dominado, calado, apaziguado, nem que seja pela paz dos cemitérios.

Medo daquele que ameaça o meu lugar, mas também medo deste outro que também está em mim mesmo.

E quando as vísceras tomam o lugar da razão, certamente não estamos em boa companhia.

 Imagens e sons da antiga, mas também moderna depressão

 Tempos muito estranhos estes em que queremos neutralizar o indesejável, pessoas, uma tristeza profunda, a desatenção, a lista é longa…

300px-Melencolia_I_(Durero)
Dürer, Melancolia I

No que se refere à tão falada noite escura da alma, os antigos, há milênios, já estudavam uma tristeza profunda e paralisante. Na iconografia, Melancolia I, uma gravura de Dürer  do século XVI – início da modernidade-  apresenta um ser alado, sentado em uma laje de um edifício inacabado, com as roupas em desalinho, em uma das mãos segura desleixadamente um compasso, ladeado por um Eros cabisbaixo e por um cão só pele e osso, está rodeado de ferramentas da técnica e do saber, todas em desordem, com o mar à sua frente, iluminado pela luz do luar; seu olhar fixo mostra que está desperto, mas paralisado, preso em seus pensamentos.

A antiguidade que não lhe retira o mal estar, inclusive, porque insidiosa, a depressão pode não apresentar causa aparente, algo devastador para uma sociedade cuja ciência se desenvolve a partir do estabelecimento de relações de causa e efeito.

Indômita, voluntariosamente se instala contrariando o imperativo contemporâneo da felicidade. Por isso, quando se vislumbra uma tristeza em uma pessoa, logo ela passa a receber “conselhos” para “sair dessa”, “partir para outra”, “encontrar uma ocupação”, ou até mesmo “deixar de onda”, afinal “está exagerando, não tem motivos para se sentir assim”, enfim. Longe de uma acolhida, cala-se O Grito, título, aliás, de um quadro do pintor norueguês, Edvard Munch (1893), no qual ele registra um momento pessoal.

Regra geral, quem sofre precisa esconder sua dor, até que esta, entre outros, paralisa. Aí, hoje, entra o psiquiatra, um diagnóstico e uma medicação.

Somente após “grandes” perdas parece haver permissão para se sentir a tristeza e, consequentemente, transitar por um luto socialmente aceito, muito embora, junto com o viver venham as perdas, seja de projetos, amores, familiares, amigos, juventude, emprego e tantas coisas que ficam pela estrada. Sem a vivência dos lutos necessários, as dores escamoteadas vão se acumulando.

A experiência desta tristeza profunda faz parte do humano, mas neste mundo no qual se quer sempre estar “bem, bonito e saudável”, não se encontra espaço para vivê-la.

Na depressão medicada, as dores que o tempo elaboraria são encobertas pelos fármacos para o indivíduo não sentir, fechando-se a porta de acesso para o trabalho interno de encontrar e conversar com esta dor.

220px-The_Scream
Munch, O Grito

“Já não sinto nada” canta (ou grita?) Arnaldo Antunes, pela alma que definha na clausura.

Fertilidade: o enigma da criação

Nestas semanas um programa de domingo está apresentando Fertilidade – um projeto de vida, em uma rede de TV, afirmando retratar a realidade de 8 milhões de brasileiros que, segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, querem ter um filho e não conseguem.

Certamente o desejo de formar uma família acompanha muitas uniões, mas a qualquer casal cabe certa reflexão, quer-se ter filhos ou engravidar? Deseja-se ter a experiência de sentir uma coisinha crescendo no ventre? Ou a experiência de cuidar e formar alguém na rotina do dia a dia? Ou, talvez, sentir que o próprio sangue segue para a posteridade?

Há muita coisa envolvida neste desejo de fertilidade. A medicina pode ter avançado, dominando certas técnicas que fornecem esperança a pais que sonham com a gravidez, contudo a fertilidade é, ainda, um grande mistério.

Uma parte do mistério envolve a transformação do corpo da mulher que se torna um vaso que passa a conter a semente que ganhou vida, que ela guarda e nutre em seu interior. Experiência que, hoje, embora possa ser filmada, nenhuma imagem ou palavra pode traduzir.

A mulher grávida mostra-se terra fértil para a semeadura, em certa dimensão, uma mãe de todas as coisas vivas, ao aceitar o outro em seu interior e lhe fornecer alimento. Ela deixa de ser a semente que contém toda a possibilidade do vir-a-ser, passando a realizar essa possibilidade. Experiência numinosa que torna a mulher elo de uma grande corrente da história da humanidade.

Muitas mulheres relatam se sentirem não só esplendorosas e plenas carregando um barrigão, mas também poderosas, afinal de contas estão  produzindo um bebê, contndo dentro de si todo o mistério da natureza e da criação da vida. Criar certamente é mágico, nos aparenta ao criador.

Porém, há muita pressão social envolvida neste desejo de ter filhos, além de haver muita idealização, a ideia de continuidade é uma idealização que funciona como um suposto “antídoto” contra a nossa própria finitude.

Além disso, não é toda mulher que quer se transformar em vaso nutridor. Para muitas, o tema comporta ambivalência, querem e não querem… Um lado deseja ver uma certa materialização do amor nos filhos, outro lado, não raro, tem medo, afinal filhos comportam responsabilidades.

Assim é o humano, cheio de possibilidades, mas também dúvidas e, embora mágica, a fertilidade não significa uma carta de habilitação para a maternidade (ou a paternidade). Esta é outra jornada.Resultado de imagem para imagem feto 2 meses

A curiosidade necessária para o aprender

Um dos sonhos de todo pai, generalizando, é que o filho seja muito inteligente e tenha uma vida profissional bem sucedida. Muitos pais preocupados buscam uma escola “forte” desde cedo, já pensando no vestibular em uma universidade consagrada, projetando o/a filho/a se não um cientista, um CEO, pelo menos, advogado/a, médico/a, engenheiro/a, enfim.

No percurso, afligem-se quando o filho é pequeno conjeturando se está no tempo “certo”, pois há uma ansiedade em ver as “conquistas”, mais para frente, com as notas. No mundo escolar seguem os desafios, as letras, os números, depois a tabuada, as equações, a gramática, a sintaxe, a geografia, a geometria, a física, a química e tantas outras matérias. Só de nomear cansa. Se ele/a tira boas notas, sagra-se o orgulho da família.

Preocupações chegam se a criança ou o jovem não “consegue acompanhar” a escola.  Muitas escolas oferecem reforço. Certas falas logo aparecem: Ele não gosta de estudar! Ela só quer saber de estar com as amigas! Ele só quer jogar bola!  Ela não tem concentração! Ele não tem foco! Na visão corrente, via de regra, o problema está no estudante.

Não vou escrever aqui sobre o contexto escolar, pois há muitas diferenças, pergunto aos pais e/ou responsáveis como foi a infância dessa criatura? Ela pôde vagar olhando folhas e formigas no chão, pássaros voando, nuvens formando figuras no céu? Viu as cores do arco-íris pulando de um esguicho de água num dia de sol? Trepou em uma árvore e ficou lá em cima se deliciando com o seu feito? Ela correu até cansar fora dos muros da escola? Viu a vida acontecer e se surpreendeu com suas formas ao lado dos pais ou a sua maior surpresa foi o desenho no tablet?

Alice Miller, uma grande pesquisadora sobre a infância, escreve que uma das ações corriqueiras de nossa educação é, primeiro cortar as raízes da vida e depois tentarmos reconstituir artificialmente suas funções originais. Dessa forma, escreve a autora, “a curiosidade natural das crianças é abafada, e depois, quando faltar o estímulo ao aprendizado, se oferecem aulas particulares para sanar as dificuldades na escola”.

Resultado de imagem para unicefOs pais querem ter filhos inteligentes e vê-los aprendendo, mas o desenvolvimento cognitivo não ocorre como o fortalecimento dos ossos ao tomar vitamina, nem acontece de “um clique” como promete uma certa propaganda (porque as pessoas andam sem tempo). Trata-se de um trabalho de longo prazo que começa lá com o bebê, um investimento cotidiano em nossas crianças para ensinar um olhar (e também um agir) sobre a vida para além de conteúdos.

Raízes cortadas e curiosidade solapada podem estar na base de um sujeito com dificuldades para aprender.

O voo do meio da vida

A arte de viver é a mais sublime e a mais rara de todas as artes escreve Jung. O nascimento marca o início da vida, o bebê, paulatinamente, será obrigado a conquistar autonomia e crescer. No percurso, vai adquirir músculos, altura e consciência, a grande ferramenta da espécie. Na caminhada, o indivíduo, com mais ou menos dificuldades se esforça para tomar as rédeas de sua vida, quando consegue, estuda, trabalha, travando lutas para conquistar uma posição social, construir uma carreira e/ou uma família.

Em certo momento, depois de muito quebrar a cabeça, fazer horas extras, aguentar chefes e muitos sapos engolir, tudo leva a pensar que enfim se encontrou o “curso da vida”, pois esta parece encaminhada, eis que sem saber como, nem porque, nada agora parece ter sentido. Neste momento atordoante, as conquistas deixam de produzir alegria, aparecem saudades do que não se viveu, desejos loucos, devaneios. Fala-se em crise da meia idade, nome inapropriado, pois na verdade, é a vida que está no final do primeiro tempo. Nesta etapa, os filhos saem de casa, de repente, a casa fica vazia, por outro lado, os papéis com os pais se invertem, ou mesmo, ocorre a perda dos pais. Não raro, uma paixão fulminante leva um sujeito a largar a família para viver amores com uma jovem recém conhecida, ou uma mulher passa a buscar parceiros na academia ou a se comportar como as jovens da idade de sua filha. Trata-se de um período de limiar,  primeiro, ouve-se o badalo de um sino, há um desconforto com a vida quase imperceptível, depois advém uma urgência e, quando as badaladas não são ouvidas, instala-se a crise.

Jung compara as tensões e turbulência da adolescência às tensões no meio da vida. Agora a tensão está entre o modo de funcionamento conhecido -mesmo que recheado de problemas- e o desconhecido que assusta. Se, na adolescência, muitos evitavam a vida adulta, no meio da vida, procura-se evitar o amadurecimento necessário para viver o segundo tempo da jornada. Repete-se a resistência, assim como o indivíduo preso à infância recua apavorado diante da incógnita do mundo e da existência humana, também o adulto recua assustado diante do que precisa fazer. Talvez com receio das perdas por vir e, certamente, de deixar para trás alguma coisa muito preciosa: o passado, aqueles anos moços. Anos idealizados, sem dúvida, mas a memória retém o que quer, da forma que se lhe apraz, na memória tudo pode ser lindo, cheiroso e gostoso.

Muitos fazem ouvidos moucos e formulam pensamentos para se enganar: “o emprego não é tão ruim”, “estou ganhando bem, para quê sair?”, “tudo ficará bem com os netos”, “ só preciso de uma plástica para me sentir bem”.

O meio da vida apresenta questões e desafios de uma nova etapa que se aproxima, no entanto, chega-se mal preparado para a segunda metade da vida e, o pior, damos esse passo, sob a falsa suposição de que nossas verdades continuarão como dantes. Muitos ficam perseguindo metas antigas, sem perceber que a configuração mudou. Não podemos viver a tarde de nossas vida segundo o programa da manhã, escreve Jung, porque aquilo que era muito na manhã,  será pouco na tarde e o que era verdadeiro na manhã, será falso no entardecer.

O momento exige um olhar para o interior, um balanço e um apaziguamento com o passado. Na caminhada, há perdas, de amores e amizades, da inocência, da beleza, para citar algumas. Há sonhos não vividos, outros que se converteram em pesadelos, o príncipe que virou um sapo, como cantou Cássia Eller. Não raro, o próprio indivíduo se perdeu nas tramas da vida e retomar o fio da meada parece uma missão impossível, daí a angústia.

O momento exige uma busca da verdade da alma, recuperar enquanto há tempo, aspectos que ficaram para trás. Alguns têm medo de suas sombras, outros têm medo da própria luz, daquilo que era tão bacana, mas que se abriu mão. A sombra precisa ser vista e integrada para deixar de assombrar e os talentos precisam ser reconhecidos para darmos um novo sentido ao segundo tempo da jornada.

Quando a crise se instala, parece-nos que alguma coisa saiu do controle, pelo contrário, é a alma querendo assumir o controle, mostrando que nossa vida precisa de alguns “ajustes” para o melhor de nós se libertar e voar.

A crise na educação à luz do pensamento de Hannah Arendt

Acredito que por todo o Brasil houve choque ao se ver os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, ENEM, de 2014, divulgados agora em janeiro, quando soubemos que mais de 500 mil candidatos zeraram a nota de redação, entre outros índices desoladores. A preocupação pela educação perpassa toda a instituição, da pré-escola à Universidade, pelo menos nas escolas que têm compromisso social e não são apenas fábricas de diplomas.

Tomei contato com o texto de Hannah Arendt “A crise na educação”, escrito na década de 1950, nos EUA, com a minha colega e professora da UMESP, Kelly Brandão e decidi compartilhar este debate. O pensamento de Arendt tem como eixo a vida na pólis, ou seja, na cidade, a convivência entre os homens, com este foco, ela volta seu olhar à educação, na qual identifica uma crise. Crise que, a seu ver, não se restringe aos EUA, refletindo uma crise instalada nas sociedades modernas, que descartam o velho, em busca do novo, colocando à educação o desafio de acertar o alvo do futuro.

A crise exige que nos voltemos às raízes, em busca do sentido próprio da coisa; no caso, a educação existe por uma razão muito simples, porque as  novas gerações chegam, precisando ser iniciadas neste mundo que aí está e, enquanto a espécie humana caminhar sobre a terra, o mundo necessitará educadores, simples assim.

Para os recém-chegados, os mais velhos somos representantes do mundo que aí está e isto traz consequências: “o educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que seja diferente do que é.”

Contudo, “há uma crise porque ninguém é responsável por nada”, diz ela, escrevendo há mais de 50 anos.

Na educação, essa responsabilidade sobre o mundo assume a forma de autoridade, esta não se constrói pela qualificação do educador, no conhecimento sobre o mundo que, certamente, é indispensável, mas “na responsabilidade que ele (educador) assume sobre este mundo”.

Aí jaz um problema: desconfiamos da autoridade. Desbancamos a autoridade buscando combater a opressão e, hoje, contestamos todos aqueles que assumem papéis de autoridade. Entretanto, os adultos ao recusarem assumir sua autoridade, estão lavando suas mãos, aponta a autora.

A crise de autoridade também está relacionada à crise da tradição, ou seja, a crise de nossa atitude frente ao passado. Até o início do século XX, a tradição nos instruía de forma indubitável, rompemos com ela, pois desejávamos uma nova ordem no mundo, agora constituído por indivíduos emancipados. Se em outros tempos era “natural” seguir os pais e avôs, hoje, ninguém quer repetir os pais… Aí nos perdemos, porque perdemos todas referências, como já nos mostrou Giddens.

“O problema da educação no mundo moderno está no fato de, por sua natureza, não poder esta abrir  mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição”, escreve a autora.

Para agir nesta crise, Arendt defende um respeito ao passado, uma vez que ele faz parte de nós. Aqui o professor detém o papel de manter esta memória do mundo, pois seu ofício é “fazer a mediação entre o velho e o novo, por isso a profissão exige um respeito extraordinário pelo passado”. Apesar de toda tecnologia disponível, o jovem não aprende sozinho esta memória do mundo.

Às novas gerações cabe a tarefa essencial de introduzir a novidade, salvando o mundo da obsolescência, “nossa esperança está no novo que cada geração aporta”, pois “o mundo feito por mortais se desgasta, continuamente corre o risco de tornar-se mortal, para ser preservado da mortalidade de seus habitantes, ele deve ser, continuamente, posto em ordem”. Lembrando que matamos a possibilidade do novo se tentamos controlar a aparência do futuro e o que os novos farão.

“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação  e a vinda dos novos e mais jovens.” Arendt é categórica, quem não assume esta responsabilidade não pode ser um educador.

Acredito que questão da responsabilidade diz respeito a cada ser vivente neste mundo, por nossas ações, palavras e pensamentos, mesmo que eu não tenha feito o que está aí e que algum dia eu vá entregar o bastão.

ARENDT, H. “A crise na educação”, Entre o passado e o presente. Ed. Perspectiva.

Os 10 mandamentos dos nativos americanos

Para 2015, achei importante voltarmos aos fundamentos, por isso escolhi a lembrança de valores muito  antigos, dos povos que guardam a sabedoria da terra.

1. La Tierra es nuestra madre. Cuida de ella.
2. Honra todas tus relaciones.
3. Abre tu corazón y tu alma al Gran Espíritu.
4. Toda la vida es Sagrada. Trata con respeto a todos los seres.
5. Toma de la Tierra lo que es necesario y nada más.
6. Haz lo que se debe hacer para el bien de todos.
7. Agradece constantemente al Gran Espíritu por cada nuevo día.
8. Habla la verdad, pero sólo sobre lo bueno en los otros.
9. Sigue los ritmos de la naturaleza. Levántate y retírate con el sol.
10. Disfruta del viaje de la vida, pero no dejes huellas.

Homenagem ao senhor das pedras do reino

Nestes dias nos deixaram diversas figuras indispensáveis da alegria e do pensamento brasileiro, Ariano Suassuna e Ruben Alves, dois mestres incansáveis na arte do transmitir às novas gerações a riqueza de nossa cultura.

Hoje, me detenho em Suassuna, paraibano,pernambucano, nordestino e acima de tudo, brasileiro. Erudito, homem do povo, poeta e dramaturgo, da tradição dos grandes contadores de histórias. Estudou direito, tornou-se advogado, idealizou e dirigiu o movimento armorial, através do qual buscava realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura do país, amava proferir suas aulas espetáculos.

Depois de sofrer dois infartos e um aneurisma aos 87 anos prosseguia trabalhando. Em uma entrevista à Folha de São Paulo, publicada em dezembro de 2013, Suassuna contava sobre as fogueiras que vinha pulando:

“Poucos dias antes de adoecer em uma entrevista me perguntaram se eu tinha medo da morte, eu disse “eu não gosto de contar valentia antecipada, acho que a gente só pode dizer que não tem medo de alguma coisa depois de enfrentá-la. Agora, até onde eu vejo, eu não tenho medo da morte. Eu tenho pena de morrer sem ter realizado certas coisas. Por exemplo: se visse que não dava para terminar o romance que escrevo, aí teria muito pena de morrer.  Engraçado, quando eu estava lá no hospital) nos primeiros momento que descobri que tinha tido um infarto eu me agoniei muito porque tinha deixado o manuscrito em casa (…).  Cada capítulo do livro é escrito em forma de cartas, sob certo aspecto é um romance epistolar, e toda carta termina do mesmo jeito. Porque eu digo lá que fiz um pacto com Deus, e fiz mesmo: se ele achasse que o romance tinha alguma coisa de sacrílego ou de desrespeitoso, que interrompesse pela morte – coisa com a qual desde agora eu me declarar de acordo.” (Fábio Victor, Ilustrada, FSP, 23/12/2013)

O segredo da criação

Leonardo da Vinci, Figura de Cristo. 1490-5

A arte nos toca, admiramos cada obra de Leonardo da Vinci, cada traço de Picasso, somos embalados pela magia de Giberto Gil, da poesia de Drumond e tantos outros. Um atributo eminentemente humano que nos iguala aos deuses, a arte, contudo parece haver-se distanciado do cotidiano das pessoas, parece talento de seres especiais, dotados de maior sensibilidade e fica  guardada em lugares especiais, nos museus.

Nesta visão, esquecemos que  ao cuidar do jardim,  preparar um saboroso prato, tecer um suéter,  bordar um pano de prato e, sem dúvida, o momento mais mágico, ao gestar um filho, homens e mulheres estão criando.

Não raro, somos nós que podamos as asas da nossa criação, nosso julgamento cai como uma lâmina cortando as nossas ideias, algumas vezes já matamos a semente do projeto “não vai dar certo”, “é muito ingênuo”, “vão dar risada”, pensamos, quando não é alguma dificuldade que nos faz esmorecer e deixamos para lá, afinal “quem disse que ia dar certo?” Em outros momentos, deixamos o trabalho dentro da gaveta, seja porque o texto não está à altura do García Marquez, a pintura não chegou ao nível do Picasso, não alcançamos a expressividade de um Caetano Veloso, enfim. Como se Picasso, Gabo ou Caetano não tivessem sido crianças a brincar com cores, sons e letras. O nosso julgamento  é cruel conosco.

Também ocorre que a gente muitas vezes só quer produzir belezas e se espanta com o que sai, mas criação é muito mais do que produzir belezas, a arte permite dar forma à dor, ao estranho, às angústias, possibilita expressar nossos medos, colorir as sombras e fantasmas que nos assolam. Quem já viu a pintura de Salvador Dali sabe, ele desenhava seus sonhos, um material riquíssimo e perturbador, ao mesmo tempo. E a angústia de Edward Munch em O Grito, um quadro de dimensões pequenas, mas que traduziu sentimentos que assolam  em algum momento a tantos de nós. Imagino que estes autores criavam por absoluta necessidade.

Munch, O grito, em litografia, de 1900

Acima de qualquer coisa, a criação precisa fazer sentido para nós, quando deixa de fazer sentido, ficamos “de mal” com a criação e até a vida parece insossa.

A arte, como tudo na vida requer treino, dedicação, dizem que o Salvador Dalí acordava e ia para o seu estúdio,  de onde quase não saía,  ele dizia que ele queria que quando as musas o visitassem,  o encontrassem trabalhando… os chefs de cozinha também conhecem este segredo.

Imagens da Grande Mãe

 

Vênus de Lespugne

No princípio eram as deusas. A Grande Mãe é um poderoso arquétipo que acompanha   história da humanidade. Vale a pena passear por algumas de suas imagens.

Ísis e seu filho Hórus, no Egito 2500 a.C.
Painel ornamental da Ara Pacis, em Roma – fachada leste, representando ou Tellus, Deusa da Terra, ou Bona Dea/Maia
Botticelli – 1445-1510
Arte bizantina
La Pietá de Michelangelo
Deméter e Perséfone, na Grécia antiga, Ánfora de 480 a.c

Qual o futuro da espécie humana e do planeta?

Sabemos que tanto a espécie humana quanto o planeta não são imortais. Nossa preferência pelo lucro nos negócios se sobrepõe às questões ambientais e, somada à falta de vontade política para solucionar este tipo de problemas, ameaça a humanidade. Sem ação imediata para o combate ao aquecimento global, enfrentaremos uma perda de 5 a 20% do Produto Interno Bruto do mundo (PIB); nossa biosfera está em perigo por causa do aumento da desertificação, do desmatamento, da poluição do ar e do solo, da diminuição da biodiversidade, da falta de água e da degradação dos oceanos. 

É necessário que seja criada uma nova abordagem econômica. É necessário existir uma economia que utilize menos materiais em sua produção, que reduza o consumo supérfluo e que gaste menos matéria-prima. Temos que criar e implementar novos estilos de desenvolvimento capazes de crescer, mas ao mesmo tempo preservar o planeta e a biodiversidade. Esta publicação propõe à humanidade fazer um novo pacto, um “contrato natural”, de codesenvolvimento com o planeta.

(Fonte: Fazendo as pazes com a Terra Brasília: UNESCO, Paulus, 2010)

meio amb