Imagens e sons da antiga, mas também moderna depressão

 Tempos muito estranhos estes em que queremos neutralizar o indesejável, pessoas, uma tristeza profunda, a desatenção, a lista é longa…

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Dürer, Melancolia I

No que se refere à tão falada noite escura da alma, os antigos, há milênios, já estudavam uma tristeza profunda e paralisante. Na iconografia, Melancolia I, uma gravura de Dürer  do século XVI – início da modernidade-  apresenta um ser alado, sentado em uma laje de um edifício inacabado, com as roupas em desalinho, em uma das mãos segura desleixadamente um compasso, ladeado por um Eros cabisbaixo e por um cão só pele e osso, está rodeado de ferramentas da técnica e do saber, todas em desordem, com o mar à sua frente, iluminado pela luz do luar; seu olhar fixo mostra que está desperto, mas paralisado, preso em seus pensamentos.

A antiguidade que não lhe retira o mal estar, inclusive, porque insidiosa, a depressão pode não apresentar causa aparente, algo devastador para uma sociedade cuja ciência se desenvolve a partir do estabelecimento de relações de causa e efeito.

Indômita, voluntariosamente se instala contrariando o imperativo contemporâneo da felicidade. Por isso, quando se vislumbra uma tristeza em uma pessoa, logo ela passa a receber “conselhos” para “sair dessa”, “partir para outra”, “encontrar uma ocupação”, ou até mesmo “deixar de onda”, afinal “está exagerando, não tem motivos para se sentir assim”, enfim. Longe de uma acolhida, cala-se O Grito, título, aliás, de um quadro do pintor norueguês, Edvard Munch (1893), no qual ele registra um momento pessoal.

Regra geral, quem sofre precisa esconder sua dor, até que esta, entre outros, paralisa. Aí, hoje, entra o psiquiatra, um diagnóstico e uma medicação.

Somente após “grandes” perdas parece haver permissão para se sentir a tristeza e, consequentemente, transitar por um luto socialmente aceito, muito embora, junto com o viver venham as perdas, seja de projetos, amores, familiares, amigos, juventude, emprego e tantas coisas que ficam pela estrada. Sem a vivência dos lutos necessários, as dores escamoteadas vão se acumulando.

A experiência desta tristeza profunda faz parte do humano, mas neste mundo no qual se quer sempre estar “bem, bonito e saudável”, não se encontra espaço para vivê-la.

Na depressão medicada, as dores que o tempo elaboraria são encobertas pelos fármacos para o indivíduo não sentir, fechando-se a porta de acesso para o trabalho interno de encontrar e conversar com esta dor.

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Munch, O Grito

“Já não sinto nada” canta (ou grita?) Arnaldo Antunes, pela alma que definha na clausura.

Autor: Verónica

Psicóloga, escritora, doutora em Sociologia. Professora e sempre aprendiz.

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